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terça-feira, 26 de agosto de 2014

‘Uma boa escola é a que consegue manter o seu aluno’

O educador José Francisco Soares, presidente do Inep, órgão responsável pelo Enem, é um dos principais palestrantes do Educação 360
imagens google
POR ANDRÉA RANGEL
O globo
RIO - Referência em análise de sistemas de avaliação educacional, José Francisco Soares é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio, ferramenta de avaliação do aprendizado nas escolas e principal porta de entrada ao ensino superior no Brasil, cuja edição de 2014 conta com mais de 8,7 milhões de inscritos. Nesta entrevista, o especialista comenta as funções do exame, suas consequências e informa que, este ano, o órgão começou a certificar todos os corretores da redação do Enem, que estão passando por cursos de capacitação.
O Enem é um processo seletivo para universidades e uma ferramenta de acompanhamento do aprendizado. O senhor poderia comentar essa dupla função?
O Enem tem várias funções. Entretanto, a sua maior função é fornecer às universidades uma medida confiável e precisa do desempenho dos alunos nas ciências humanas, nas ciências da natureza, na matemática, nas linguagens e na redação. As universidades utilizam essas notas para fazer a seleção de seus alunos. No entanto, há outra dimensão, a da avaliação do desempenho dos alunos do ensino médio, menos utilizada. A avaliação externa deve cuidar para ser mais justa educacionalmente. O sistema de avaliação não fez tudo o que pode fazer.
Um novo projeto pedagógico será incorporado à matriz do exame?
Nesse instante, o Inep está envolvido em dar relevância à avaliação. Esta avaliação tem como unidade a questão de prova, o item. Na medida em que existem itens comentados vinculados ao currículo, vamos ter um uso pedagógico mais efetivo do Enem.
As escolas estão conseguindo se apropriar dos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e da Prova Brasil para aprimorar a qualidade de ensino?
Os sistemas de avaliação não produzem informações pedagógicas na mesma dimensão e importância dos indicadores numéricos. E é exatamente isso que, mudando, vai tornar as avaliações mais relevantes. O Inep está procurando mudar a sua rotina para incluir esse tipo de informação na divulgação das avaliações.
O Inep prevê novidade para as provas de redação do Enem deste ano?
A próxima etapa será certificar todos os corretores. Este ano, 969 supervisores foram submetidos ao processo de certificação. Após uma capacitação com 30 horas, eles passaram por uma prova presencial, na qual avaliaram redações com notas já conhecidas e produziram um texto. Ganharam o certificado de excelência, nesse primeiro processo, 677 supervisores. Esperamos que, nos próximos anos, só corrija o Enem quem for certificado.
O que faz uma escola ser reconhecida como instituição de qualidade?
Uma boa escola consegue manter o seu aluno e ensiná-lo. Isto é muito difícil em determinadas circunstâncias, mas a manutenção e a promoção do aluno e, naturalmente, o aprendizado são os indicadores que a gente busca. Entretanto, uma boa escola é a que consegue obter esses resultados num bom ambiente, em que alunos e professores se sintam bem. A boa escola produz resultados por um processo que contribui para a formação integral do aluno, cognitiva, social e ética.
Já temos os instrumentos necessários para avaliar a educação no Brasil? O que precisa ser aperfeiçoado ou implementado?
Com a aplicação da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) na fase final do Ciclo de Alfabetização, nós temos agora uma avaliação aos oito anos, outra aos 14 e o Enem. Nós temos os instrumentos. O que é preciso é aperfeiçoá-los. Por exemplo, é preciso que a gente discuta se o que estamos cobrando nesses testes é, de fato, aquilo que deveria ser cobrado.
Quais serão os principais assuntos abordados durante a sua conferência no Educação 360?
O Inep procura dar à sociedade informações de dois resultados: a trajetória e o aprendizado. Então, vou sublinhar e analisar a importância desses dois resultados na concretização do direito à educação, que precisa estar sistematizada em indicadores de processo e de resultado.
Muitos pais se baseiam no ranking das escolas mais bem colocadas no Enem. Poderia comentar as vantagens e desvantagens desses rankings?
O papel do Inep é divulgar informações sobre os censos e as avaliações, entre as quais o Enem, para que a sociedade tome decisões. A criação de rankings é uma forma muito limitada de síntese. Por isso, o Inep não faz rankings. Quem faz isso são os usuários da informação pública disponibilizada pelo Inep. E os rankings são usualmente feitos com a média do desempenho dos alunos de uma escola, não mostrando a variedade de desempenho entre eles. A escolha de uma escola deve passar por muitos critérios. As famílias devem saber que os filhos podem aprender em escolas com diferentes projetos pedagógicos e devem avaliar qual projeto está mais adequado para seus filhos. Há pessoas que se sentem melhor em escolas que valorizem outras dimensões além da cognitiva. Portanto, o ranking dá informações secundárias para a escolha.
O ensino médio se tornou um mero preparatório para o vestibular ou o Enem?
Tradicionalmente, o ensino médio é influenciado pelos exames de admissão das universidades e, agora, pelo Enem, que tem várias vantagens em relação ao vestibular. Uma vantagem particularmente importante é a mobilidade. O aluno faz um único exame e, com ele, acessa um conjunto grande de universidades. No entanto, o acesso à universidade não deveria ser a única finalidade do ensino médio. Ainda há muitas discussões sobre esse tema no Congresso Nacional, no debate educacional e fora dele. O ensino médio deve ser a etapa final da educação básica, depois da qual o aluno deve estar preparado para a vida do trabalho e da cidadania. A universidade, embora desejada, não é a única trajetória para todos os alunos. O acesso a ela, entretanto, deve ser aberto a todos.

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