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Por Vanessa Farjado
Da redação Agaci Soares
Um interno de 17 anos que cumpre medida socioeducativa em uma unidade da Fundação Casa, em São Paulo, foi classificado nesta quinta-feira (30) como finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa, na categoria poema. A olimpíada reúne alunos de escolas públicas de todo o país e é promovida pelo Ministério da Educação e pela Fundação Itaú Social. Para participar da segunda etapa do concurso (a semifinal, em Belo Horizonte), ele teve autorização judicial para viajar de avião pela primeira vez, na última terça-feira (28), acompanhado pela professora de português Maria da Penha Silva e um agente de segurança. O retorno para São Paulo será nesta sexta-feira (31).
É a primeira vez que um adolescente da Fundação é classificado neste concurso. Na edição deste ano, 53.706 textos foram enviados por estudantes do Brasil todo nas quatro categorias (além de poema, a olimpíada seleciona textos de memória literária, artigo de opinião e crônica). Nesta quinta, a semifinal da categoria poema contou com 125 participantes, e 38 foram selecionados para a última etapa –entre eles o interno de São Paulo. A grande final da competição vai ser no dia 1º de dezembro, em Brasília (leia ao final da reportagem o poema do adolescente).
O jovem, que cursa o 6º ano do fundamental, escreveu um poema sobre como é morar na Fundação Casa. É a terceira vez que ele cumpre medida por tráfico de drogas: sua primeira infração aconteceu aos 13 anos.
“Gosto de escrever para passar o tempo, escrevo cartas e já fiz músicas, aí a professora me propôs escrever o poema sobre o lugar onde vivo para o concurso. Quando soube da classificação foi uma felicidade enorme, até por descobrir o potencial que tenho”, disse o jovem, em entrevista ao G1.
Apesar de já ter 17 anos e idade para cursar o ensino médio, o jovem ainda está no 6º ano. Ele havia abandonado os estudos antes de chegar à Fundação. A distorção entre idade e série é uma realidade comum entre os adolescentes das 149 unidades. Segundo dados do mês de setembro, a maior parte dos adolescentes (6.324 alunos) cursa o segundo ciclo do ensino fundamental. No ensino médio estão 2.496 adolescentes infratores, 517 no primeiro ciclo do ensino fundamental e apenas 34 já concluíram o ensino médio. A maioria tem idades entre 15 e 17 anos e, nas unidades, eles são obrigados a frequentar as aulas.
Gosto de escrever para passar o tempo, escrevo cartas e já fiz músicas, aí a professora me propôs escrever o poema sobre o lugar onde vivo para o concurso. Quando soube da classificação foi uma felicidade enorme, até por descobrir o potencial que tenho”
Interno da Fundação Casa, 17 anos,
finalista de concurso de poesia
Na primeira internação, o jovem ficou sete meses, após ser flagrado pela polícia com dinheiro do tráfico. Na segunda, um mês depois, passou um ano cumprindo medida. Ficou um ano livre e, agora, em sua terceira passagem, já se foi mais outro ano. A saída do jovem pode ser determinada a qualquer momento, e ele diz que está pronto para recomeçar a vida longe das infrações.
“Amadureci bastante neste tempo, descobri meu potencial nos estudos. Vi que foi uma oportunidade que Deus estava me dando. Quando fiz o poema não esperava ganhar e isso me mostrou que posso ser melhor e ter futuro”, afirma.
O jovem já é pai. Os filhos gêmeos, hoje com um ano, nasceram dez dias depois de ele ter sido internado, por isso ele só conseguiu encontrá-los duas vezes. “A gente muda o pensamento quando se torna pai”, explicou ele. O adolescente diz que, após sua saída, já tem emprego garantido em um restaurante. “Gosto da área de gastronomia.”
A professora Maria da Penha foi a grande incentivadora do interno (Foto: Victor Moriyama/ G1)
Incentivo
O incentivo do jovem veio da professora Maria da Penha, da rede pública do estado de São Paulo, que leciona nas unidades da Fundação Casa há 12 anos. “Sempre trabalho com textos reflexivos para dar vazão para que eles pensem o que poderiam ter feito de melhor para não estarem nas unidades”, afirmou. Ela diz que já havia notado o talento do adolescente para escrever. “Ele tem boa capacidade de reflexão.”
A professora trabalhou técnicas de produção de poemas para que o jovem participasse da semifinal da olimpíada, na qual os concorrentes podem aprimorar os poemas. Mas, independente do resultado, ela considera que esta é uma vitória na história da Fundação Casa.
A olimpíada ocorre a cada dois anos e premia as melhores produções de alunos de escolas públicas de todo o país. Esta quarta edição do concursou mobilizou 46.902 escolas públicas nos 26 estados e no Distrito Federal, onde 5,1 milhões de alunos concorrem com poemas, memórias literárias, crônicas e artigos de opinião. O tema de todos os gêneros é O Lugar onde Vivo.
Leia a seguir o poema do jovem interno:
Vida em Transição
Viver na Fundação não é bom
Bom é ser livre em toda situação
Mas tenho minha opinião
Sobre esse período de transição
Que muitos dizem ser prisão.
Nesse lugar, maldade…
Que ao mesmo tempo é saudade
Por estar privado de liberdade
Mas tem um lado positivo
Nessa realidade
Estou me reabilitando para a sociedade.
Acordo e vejo grades
Meu peito dói de verdade
Só quem passou
Por isso sabe
De todas as realidades
E crueldades…
A maior necessidade
É a Liberdade!
Aqui lições de vida transmitem
Muitas coisas boas
Reconhecimento como pessoa
Que errar é humano
Mas aprender é a melhor coisa.
Atrás desses momentos tem algo impressionante
Hoje me tornei um estudante
Descobri que sou inteligente
Produzi este poema e me sinto importante.
O jovem diz que descobriu seu potencial para os estudos dentro da fundação (Foto: Victor Moriyama/ G1)